sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Mikhail Bakhtin: o filósofo do diálogo


Mikhail Bakhtin: o filósofo do diálogo
Ao analisar o discurso na arte e na vida, o russo revolucionou a teoria linguística no século 20.

Mikhail Bakhtin dedicou a vida à definição de noções, conceitos e categorias de análise da linguagem com base em discursos cotidianos, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais. Em sua trajetória, notável pelo volume de textos, ensaios e livros redigidos, esse filósofo russo não esteve sozinho. Foi um dos mais destacados pensadores de uma rede de profissionais preocupados com as formas de estudar linguagem, literatura e arte, que incluía o linguista Valentin Voloshinov (1895-1936) e o teórico literário Pavel Medvedev (1891-1938).

Um dos aspectos mais inovadores da produção do Círculo de Bakhtin, como ficou conhecido o grupo, foi enxergar a linguagem como um constante processo de interação mediado pelo diálogo - e não apenas como um sistema autônomo. "A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças aos enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na comunicação efetiva com as pessoas que nos rodeiam", escreveu o filósofo.
Segundo essa concepção, a língua só existe em função do uso que locutores (quem fala ou escreve) e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em situações (prosaicas ou formais) de comunicação. O ensinar, o aprender e o empregar a linguagem passam necessariamente pelo sujeito, o agente das relações sociais e o responsável pela composição e pelo estilo dos discursos. Esse sujeito se vale do conhecimento de enunciados anteriores para formular suas falas e redigir seus textos. Além disso, um enunciado sempre é modulado pelo falante para o contexto social, histórico, cultural e ideológico. "Caso contrário, ele não será compreendido", explica a linguista Beth Brait, estudiosa de Bakhtin e professora associada da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC), ambas na capital paulista.
Nessa relação dialógica entre locutor e interlocutor no meio social, em que o verbal e o não-verbal influenciam de maneira determinante a construção dos enunciados, outro dado ganhou contornos de tese: a interação por meio da linguagem se dá num contexto em que todos participam em condição de igualdade. Aquele que enuncia seleciona palavras apropriadas para formular uma mensagem compreensível para seus destinatários. Por outro lado, o interlocutor interpreta e responde com postura ativa àquele enunciado, internamente (por meio de seus pensamentos) ou externamente (por meio de um novo enunciado oral ou escrito).

Os caminhos de Bakhtin
Pensar a linguagem para além das teorias da época

Bakhtin e seu Círculo dialogaram com as principais correntes de pensamento de seu tempo. Na Rússia da década de 1920, tinham destaque as teorias de Karl Marx (1818-1883), das quais o Círculo aproveitou a noção fundamental da vida vivida como origem da formação da consciência. Na mesma época, o formalismo imperava como modelo de análise da literatura. Segundo essa linha, o primeiro passo para a construção de uma ciência literária era considerar nesse campo de estudo apenas o que fosse estritamente "literário" (com ênfase na poesia e num claro desprezo à prosa, considerada gênero menor, o que mereceu contestações severas do Círculo). No que tange à reflexão sobre a linguagem, as teorias bakhtinianas se distanciaram da abordagem proposta pelo suíço Ferdinand Saussure (1857-1913), que concebia a língua como social apenas no que concerne às trocas entre os indivíduos. Bakhtin e o Círculo, porém, viam a língua sofrer influências do contexto social, da ideologia dominante e da luta de classes. Por isso, era ao mesmo tempo produto e produtora de ideologias. "Vale dizer que, antes de refutar qualquer tese, esses pensadores russos delineavam um panorama das ideias e dos conceitos abordados e, partindo de aspectos pouco explorados, propunham novas concepções", explica Beth Brait.
Para cada esfera de produção, circulação e recepção de discursos, existem gêneros apropriados. Todo discurso requer uma escolha diferente de palavras, que determina o estilo da mensagem. "Não há receita pronta. Se o aluno não ler muita poesia, dificilmente será capaz de escrever uma respeitando as marcas do gênero", exemplifica Brait.
Ao considerar a importância do sujeito, das esferas de comunicação e dos contextos históricos, sociais, culturais e ideológicos no uso efetivo da linguagem, Bakhtin e o Círculo engendraram uma abertura conceitual que permite, hoje, analisar as formações discursivas dos meios de comunicação de massa e das modernas mídias digitais. Suas teorias, fundamentadas no diálogo, a forma mais elementar de comunicação, mantêm a atualidade graças à incrível capacidade de se relacionar com o passado, o presente e o futuro.


Texto original: www.novaescola.com.br

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